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Quem é Gracinha Soares?

Data da publicação: 11 de junho de 2020 Categoria: Notícias, Quem é, Sem categoria

Maria da Graça Figueiredo dos Santos, maranhense de São Luís, nasce a 21 de dezembro de 1940. Filha do artista plástico João Lázaro de Figueiredo (J. Figueiredo) inicia sua atividade cênica em 1947, aos sete anos de idade, no Teatro Arthur Azevedo (São Luís/MA), tendo por companheiro de cena aquele que na década de 1970 passaria a ser conhecido como o carnavalesco Joãozinho Trinta.

Na década de cinqüenta do século XX emigra para Fortaleza e em 1957 estréia como Gracinha Figueiredo no movimento teatral cearense interpretando um dos personagens da peça A Máscara e a Face, de Eduardo Campos, dirigida por Nadir Sabóia, em produção do Teatro-Escola do Ceará.

De 1960 até 1963, Gracinha faz parte da primeira turma de formandos do Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Ceará, ao lado de Edílson Soares, José Humberto Cavalcanti, Marcus Fernandes, Aileda Cavalcanti, Studart Dória, Emiliano Queirós e Ilclemar Nunes. Neste período, tem aulas com B. de Paiva (Interpretação, Improvisação, História do Teatro e Caracterização), J. Figueiredo (Cenografia), Tereza Bittencourt (Ginástica Rítmica), Marcus Miranda (Interpretação), Waldemar Garcia, Nadir Sabóia (Voz) e José Humberto Cavalcanti (História do Teatro).

Durante os anos 1960, Gracinha atua no teleteatro da TV Ceará Canal 2 e em inúmeras montagens dos grupos Teatro-Escola, Teatro de Brinquedo, Comédia Cearense e Teatro Universitário, sob a direção, respectivamente, de Nadir Sabóia, Rui Diniz       e B. de Paiva.

Adota o sobrenome de seu marido, Edilson (ator e diretor) e passa a ser conhecida como Gracinha Soares. Em 21 de agosto de 1967, funda com B. de Paiva, Eusélio Oliveira, Lourdinha Martins e Leonan Moreira, a Associação de Cultura e Atividades Sociais e Artísticas (ACASA) que mantém uma casa de espetáculos na Galeria Pedro Jorge, 28. Neste projeto, Gracinha Soares figura como atriz, professora de declamação e coordenadora do Teatro de Fantoches.

Em 1969, forma com Edilson Soares e Carlos Paiva o núcleo fundador do Grupo Experiência. Na década de 1970, participa da fundação do Grupo Quintal em parceria com Jório Nerthal e integra-se ao corpo docente do Curso de Arte Dramática da UFC, onde até janeiro de 1982 assume a disciplina Técnica Vocal e dirige inúmeros espetáculos, consolidando sua liderança não apenas como artista, mas também como militante da classe teatral junto a Federação Estadual de Teatro Amador (FESTA-CE), instituição criada em 1976. A partir de 1979, torna-se atriz do Grupo Pesquisa, fundado em 1978 por Ricardo Guilherme.

Gracinha Soares morre em Fortaleza (CE) a 20 de janeiro de 1982.

(Texto: Ricardo Guilherme)

 

TEATRO GRACINHA SOARES

Espaço da Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Cea\rá (Av. da Universidade,2210, Benfica, Fortaleza/CE) cuja inauguração se deu em 20 de outubro de 2010, com a apresentação do solo Ramadança, de Ricardo Guilherme, e exposição iconográfica sobre Gracinha Soares ( São Luís/MA,1940 – Fortaleza/CE 1982), atriz, diretora e professora do Curso de Arte Dramática da UFC.

 

GRACINHA SOARES: MÚLTIPLA E ÚNICA

Era 20 de janeiro de 1982. Gracinha Soares vivia a cena final do ato da vida, numa manhã encorpada de sol. Apesar de clara e por isso mesmo previsivelmente cotidiana, banal, a manhã não correspondia ao esplendor fulminante de uma atriz maranhense que Fortaleza cidade conheceu quase adulta nos anos 50 do século XX e já madura nas duas décadas seguintes. Naquele dia radioso, de um azul estonteante em meio às nuvens brancas, o corpo inexpressivo de uma atriz morta irradiava mais luz do que a manhã medíocre, teimosa em nascer enquanto vários personagens morriam. Por ter sido singular na pluralidade, ela contrastava com a sua manhã de morte. Esta, pobre de faces, tinha somente uma, a do sol, e Gracinha, de quarenta e um dezembros e dezenove dias de um janeiro, herdara as máscaras de Jano e o fogo multidirecional de Prometeu.

Quando uma atriz morre e quando a atriz é tanto quanto foi Gracinha uma das mais paradigmáticas de sua geração, não morre uma atriz apenas; morre uma multiplicidade de vidas, um punhado vital. Drumond, o poeta, escreveu sobre Cacilda Becker, quando esta morria em 1969: A morte emendou a gramática. Morreram Cacilda Becker. Não era uma só. Era tantas (…) Era uma pessoa e era um teatro. Morrem mil Cacildas em Cacilda. Versos assim também se prestam às eloqüentes intérpretes teatrais desse nosso país sem acústica. Morreram Gracinha Soares. Era múltipla embora única. Foi a suburbana Irene de Pedro Bloch (1951), a Rosa crispada de sensualidade em O Pagador de Promessas, de Dias Gomes (1962), a Beata incendiada de fé em O Morro do Ouro, de Eduardo Campos (1963), a Mãe sequiosa de vingança em Bodas de Sangue, de Lorca (1967), a premonitória e soturna Narradora em Cantochão Para Uma Esperança Demorada, de B. de Paiva( 1980). E muitas outras complexas mulheres de Sófocles, Eugène O’Neil, Shakespeare, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto, Raul Bopp, Antônio Callado, Guilherme Figueiredo, Nertan Macedo e Nelson Rodrigues, em 35 anos de palco.

No universo do Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Ceará, em vigílias diárias, suas labaredas contagiaram em mais de uma década centenas de alunos, atiçados por centelhas de criação. Líder por índole, educadora por formação, mãe vocacional de inúmeros desnorteados pela Ditadura Militar e fascinados pelas transgressões culturais, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, ela os envolvia no manto da solidariedade e os impulsionava à alquimia de transformar a dor e a inquietação em atitude propositiva, dentro e fora dos limites do Teatro Universitário. Sabia que o teatro para sobreviver precisa de algo além da atuação em cena e reclama o engajamento político, pontuado por crítica e autocrítica. Não se circunscreveu apenas a si mesma, em função de um êxito pessoal e intransferível. Abraçou uma causa coletiva e liderou um processo de não tão-somente fazer mas também de fazer com que outros fizessem teatro e política, com a consciência de que na maratona é imprescindível passar a tocha olímpica ao próximo para que a ação seja ininterrupta e fecunda. Afinal, o espetáculo não pode parar; o ato da vida, mesmo ante a morte, continua.

 

(texto Ricardo Guilherme,publicado no jornal Diário do Nordeste, em 20 de janeiro de 2007)

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