50 anos de carreira de Ricardo Guilherme
Data da publicação: 21 de setembro de 2020 Categoria: Notícias, Quem é, Sem categoriaMeu aprendizado inicial nasce da dramatização da palavra. Em 1969, aos 14 anos, eu já atuava em radionovelas nos estúdios da velha Ceará Rádio Clube. No ano seguinte, estreei no Teatro. Ainda na adolescência descobri autores fundamentais como Stanislavski, Brecth, Artaud e Grotovski, dentre outros. Mas fiz também estudos de temas diversos: artes em geral, literatura, educação, comunicação social, psicologia, história, antropologia, filosofia, sociologia etc. Intuía que um ator deveria ser um humanista e que, portanto, não poderia se limitar apenas a fazer leituras sobre Teatro. Tive também o privilégio de ter como mestres Waldemar Garcia – que me despertou para a cultura teatral dos clássicos – e Clóvis Matias – que me motivou a pesquisar os folguedos, os melodramas de circo, os palhaços. Minha estréia teatral se deu na tradicional peça O Mártir do Gólgota. Este espetáculo era uma espécie de encontro de gerações. Nele, atores veteranos e emergentes partilhavam experiências. Desde então, aprendi a reconhecer nos atores do passado um patrimônio de conhecimento que tem de ser reprocessado, redimensionado por novos modos do fazer teatral. Tudo isso me possibilitou criar analogias, análises e subsidiar uma compreensão sobre o teatro, para ser um ator que, sim, estuda cientificamente o teatro, com todos os aportes que a contemporaneidade propicia, mas que não deixa de levar em conta o cabedal da tradição. Considero que, hoje, sou resultante dos desdobramentos de todos esses processos.
São 50 anos de carreira, mais de duzentos espetáculos realizados. Estive em diversos grupos e em todos eles realizei trabalhos que ampliaram o espectro do meu aprendizado até que em 1978 fundei o Grupo Pesquisa, que produziu, em 1981, o solo Apareceu a Margarida, de Roberto Athayde, peça com a qual excursionei por inúmeros países. Esta montagem seria o marco de uma nova fase. Constituem outros destaques as montagens que foram marcos históricos na minha trajetória para o desenvolvimento da pesquisa de criação em 1988/1990 da poética do Teatro Radical, como “Valsa Numero Seis”, de Nelson Rodrigues e “A Divina Comédia de Dante e Moacir”, de autoria minha.
O Teatro Radical é uma poética cuja ética tem como pressuposto o objetivo de focar o conflito que gera as situações dramáticas, evidenciando o entendimento de que as situações são reflexos, consequências, efeitos de uma causa conflitual que nós nos propomos a estabelecer e a encenar. Ao Teatro Radical interessa descobrir o átomo conflitual da cena. Por isso, a espinha dorsal do nosso processo metodológico vem a ser a busca do conflito radical que sintetiza a peça. Toda a nossa atenção se concentra em função da tentativa de evidenciar esse matricial, gerador e nutriente. O que nos interessa objetivamente não é encenar as situações dramáticas através das quais uma peça se desenvolve mas sim representar o conflito fundamental, propulsor dessas situações. Para nós as situações são apenas efeitos de uma causa primordial que motiva, que nutre e fundamenta todo o desenvolvimento dramático. Neste sentido, o nosso teatro é radical porque objetiva expressar as raízes, ou seja, as causas deflagradoras das situações. Fazemos, portanto, uma abordagem causal e não episódica dos fatos que estruturam uma peça. Queremos encenar uma visão macro, dialética, sintética, das peças que montamos. Para o Teatro Radical há uma dialética estruturante a ser descoberta por determinados procedimentos metodológicos e a ser expressada por matrizes imagéticas que vão traduzir no espetáculo a síntese da compreensão que fizermos. É, portanto, essa compreensão sintética que nós encenamos. Compomos matrizes dialéticas, nucleares, imagens que à medida que vão sendo repetidas vão adquirindo nuances, novas significações, derivações, decorrências da imagem primordial. Aplicamos o conceito de repetição criativa, ou seja, a ação se repete mas a repetição lhe acrescenta novos significados. O Radical é, por assim dizer, um teatro cosmogônico, pois se propõe a questionar as origens dos universos conflituais, suas matérias-primas, seus átomos, e a detectar as repercussões dessa espécie de conflito mater em todo o desenrolar da peça.
Ao longo desses 32 anos de trajetória (desde 1988) e após mais de 50 montagens produzidas, o Teatro Radical continua produzindo. Atualmente, a pesquisa em busca da Radicalidade aborda algumas novas vertentes: as supra-personas – que são figuras polifônicas que transcendem suas circunstâncias socioculturais; a dramaturgia onidimensional – que é uma literatura dramática que agrega os demais gêneros, como ensaio, poesia, crônica, entrevista, reportagem, artigo, crítica etc.; e a dramaturgia modal – na qual a ideia é a de criar não peças sobre algo mas peças que são algo.
Quem é Ricardo Guilherme?
Ricardo Guilherme é ator, dramaturgo e diretor teatral, com uma teatrografia de mais de duzentos espetáculos realizados, em cinco décadas de atividade numa trajetória nacional e internacional que inclui um prêmio de dramaturgia concedido em 1987 pela UNESCO. Professor desde 1979 do Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Ceará; e depois da Licenciatura em Teatro– UFC, até 2019. Atualmente é docente-colaborador da referida Licenciatura, cujo anteprojeto o tem como um dos proponentes. Conferencista com experiência de ensino em diversas universidades da Europa, da África, da América Central e da América do Norte. Representante do Brasil em inúmeros festivais mundiais de teatro e congressos internacionais de encenação e dramaturgia.
Especialista em Comunicação Social e em Arte-Educação, reconhecido como Notório Saber em cursos de pós-graduação da Universidade Federal da Paraíba e Universidade Nacional de Brasília. Historiador, com livros sobre a história do teatro cearense, premiado pelo Ministério da Cultura, nos anos 1970, por seu trabalho de pesquisador. Contista, cronista, poeta, com obra publicada pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, pela Fundação Cultural de Fortaleza e pela Fundação Demócrito Rocha. Jornalista-Colaborador desde 1978, com registro na Delegacia Regional do Trabalho e trabalhos de reportagem premiados pela Fundação Nacional de Artes Cênicas.
Fundador do Grupo Pesquisa (1978) e um dos integrantes da equipe fundadora da Televisão Educativa do Ceará (hoje TVC) e da Rádio Universitária. Roteirista de cinema e TV desde 1974. Ex-vice-presidente da Federação Estadual de Teatro. Produtor e apresentador de programas de entrevistas e variedades (TV Ceará, Canal 5 – de 1974 a 2020). Criador do Museu Cearense de Teatro (1975, atual Doc-Teatro da Universidade Federal do Ceará) e organizador do Museu dos Teatros de Estudantes do Brasil, criado por Paschoal Carlos Magno (Rio de Janeiro/1977). Formulador da teoria e do método do Teatro Radical Brasileiro (1988), objeto de pesquisa de trabalhos acadêmicos, inclusive monografias, dissertações de mestrado e teses de doutorado.